Os solos fornecem a base para a produção de alimentos e ajudam a controlar os impactos das mudanças climáticas, regulando os gases de efeito estufa e a água. No entanto, o solo continua sendo um recurso negligenciado pelos governos e, consequentemente, os agricultores e tomadores de decisão subestimam seu valor.
O conceito dos serviços ecossistêmicos (SE) surge para contribuir na transformação do cenário de degradação, buscando promover a gestão sustentável de paisagens. Estruturas conceituais sobre os SE foram desenvolvidas, mas ainda assim, a definição de serviços do solo é pouco discutida, assim como o seu reconhecimento na prestação de serviços. A apropriação deste conceito é ainda menos frequente em pesquisas nos países da região tropical, devido ao baixo número de estudos, projetos e iniciativas dedicadas ao tema, quando comparados com a região temperada. Essa situação coloca importantes paisagens em maiores dificuldades de transformar o atual cenário de degradação. Este projeto buscou aprofundar a discussão sobre o papel dos solos como provedores de SE, aplicar métodos de avaliação e valoração dos serviços, além de contribuir para uma melhor comunicação sobre a importância dos solos para diferentes atores.
O projeto é financiado pela Newton Fund Advanced Fellowship, Royal Society (UK), Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e executado com apoio da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Desenvolvimento de um modelo para avaliação/valoração dos serviços ecossistêmicos do solo (SES).
Foi realizada uma ampla revisão sobre os SES, apresentando como eles têm sido abordados nas políticas públicas do Brasil. Além de destacar como a abordagem interdisciplinar pode ser um elemento chave em projetos de Restauração de Paisagens Florestais (RPF). O modelo foi utilizado na avaliação e valoração dos experimentos associados ao projeto, em colaboração com um grupo de pesquisa da Escola de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia – United Kingdom, também atuante na temática da ciência do solo e dos SES.
Uma estrutura conceitual atualizada foi desenvolvida baseada na revisão de trabalhos anteriores, sintetizando os SES e sua relação com os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), útil à academia e aos tomadores de decisão. Os resultados da revisão relacionado à economia de carbono do solo, indicam que o estabelecimento dessa economia tem o potencial de proporcionar uma mudança de paradigma que acelerará a mitigação das mudanças climáticas, e simultaneamente, obterá ganhos líquidos para a saúde do solo e prestação dos SES.
Assim, o consenso sobre os instrumentos de certificação usados para o armazenamento de carbono a longo prazo e o desenvolvimento de acordos e processos institucionais robustos para facilitar esse comércio, são fundamentais para o surgimento de uma economia global de carbono do solo.
Avaliação e valoração dos serviços ecossistêmicos do solo (SES) em dados coletados em campo.
Foram realizados estudos de caso na região tropical, e em especial a área que abriga o bioma da Mata Atlântica, buscando investigar áreas de pastagens e em restauração florestal, paisagens frequentemente encontradas na região. Um dos estudos de caso se dedicou a avaliar a dinâmica do solo em áreas em restauração florestal, regeneração e pastagem abandonada (controle), na Área de Proteção Ambiental da Bacia do Rio São João (APA SJ).
Neste local, nos primeiros seis anos após a restauração, não foram observadas diferenças significativas entre os solos, exceto para os teores de pH, Na, Fe e Mn, o que pode ser devido às propriedades individuais dos solos avaliados. Os resultados sugerem uma recuperação lenta das principais propriedades físico-químicas do solo em terras abandonadas que antes eram usadas para pastagem de gado, independentemente do método de restauração. Considerando os custos de ambos os métodos, a regeneração natural é a mais favorável. O que reforça a importância de incluir parâmetros do ecossistema, como propriedades do solo e histórico do uso da terra em projetos de restauração.
Já no experimento de restauração da Mata Atlântica com diferentes técnicas de plantio, os resultados demonstraram que mesmo com a baixa sobrevivência das plântulas, o manejo com o plantio das mudas apresentou efeito positivo para a qualidade do solo ao longo de quatros anos. Recuperar solos degradados e florestas podem gerar benefícios ambientais e econômicos aos proprietários, considerando o fortalecimento de um mercado de carbono no país. Este estudo preenche algumas lacunas de conhecimento relacionadas à temática dos SES na região tropical e oferece informações úteis para a gestão sustentável de paisagens.
Pesquisas sobre como as diferentes estratégias de restauração influenciam a recuperação das propriedades do solo e dos SES são escassas. Estas informações não são apenas fundamentais para o sucesso da restauração a longo prazo, mas também para o monitoramento das mudanças nos solos, recurso responsável pela provisão de vários serviços ecossistêmicos.
Coleta, intercâmbio e disseminação de conhecimento e divulgação sobre os SES na interface ciência-prática-políticas públicas
Abordagens inovadoras de comunicação do conhecimento científico para a audiência não científica demonstram ser ferramentas potenciais para comunicar diferentes teorias, conceitos e promover reflexões sobre o status dos recursos naturais.
Para isso, em 2019, a equipe do projeto visitou a Escola Estadual Andre Maurois e aplicou um jogo sobre manejo dos recursos naturais e serviços ecossistêmicos (fishing game) em uma turma do 1° ano do Ensino Médio. O intuito foi discutir com os alunos conceitos como tragédia dos comuns, ponto de inflexão, sustentabilidade, rendimento máximo sustentável, entre outros. Os resultados da aplicação do jogo no ambiente escolar, demonstraram que a introdução de conceitos na dinâmica oferece a oportunidade de análise do comportamento humano. Os alunos expressaram seu entendimento de que o jogo representa a realidade, onde o manejo ruim dos recursos naturais, como por exemplo os solos, pode ser prejudicial para as próximas gerações.
Compreender a percepção que a sociedade possui da natureza também é primordial para entender o comportamento humano e a tomada de decisões sobre o meio ambiente. Dessa forma, um estudo foi realizado no Brasil e na Polônia para avaliar o valor e a percepção da economia de terra para a natureza. Os países foram selecionados por amostragem intencional e dada sua importância para a conservação da biodiversidade local e global, e contexto socioecológico complexo de conservação versus negócios agroflorestais.
Esse estudo contribui para uma melhor compreensão dos pontos de alavancagem que impulsionam as atitudes pró-ambientais em ambos os países, em que os solos não possuem papel de destaque.
Outro estudo sobre percepção avaliou o conhecimento de atores locais e sua relação com a paisagem e recursos naturais, em uma região em que ocorreu a restauração da paisagem florestal na Mata Atlântica brasileira. Foi realizada a análise de uso e cobertura da terra e uma oficina com metodologia de grupo focal associado a mapas e outras representações visuais para avaliar as percepções locais das atividades econômicas, cadeias produtivas e seus impactos na paisagem e nos serviços ecossistêmicos. A área de estudo abrange sete municípios cobertos principalmente por vegetação nativa e pastagens. Apesar de a pastagem ser o uso de terra de destaque na região, a maioria dos proprietários não estão engajados em associações, a maioria não mora na região. A maioria dos participantes eram pequenos e médios proprietários de terras envolvidos em atividades agrícolas que demonstraram um conhecimento detalhado do território, uma disposição para combinar a conservação com as práticas de produção e uma percepção positiva em relação ao ecoturismo, abordagens agroecológicas, água e conservação do solo. A abordagem participativa mostrou-se eficaz para complementar a avaliação inicial ao revelar novos aspectos da paisagem e dos proprietários, ajudando a testar hipóteses e ajustar as narrativas envolventes para o planejamento de futuras atividades de restauração da paisagem florestal na região, incluindo o cumprimento da lei ambiental. Este estudo de caso fornece informações úteis para outros pesquisadores e profissionais projetarem planos mais eficazes para o futuro manejo do solo.
Ainda sobre percepção, mas agora com foco exclusivo nos solos, foi desenvolvido um estudo para entender melhor a percepção do solo pelo público, através de uma pesquisa com 99 participantes do Brasil e da Polônia. O estudo utilizou a amostragem de oportunidade e entrevistas semiestruturadas com o total de 40 entrevistados na Polônia e 30 do Brasil, e 29 entrevistas não estruturadas no Brasil.A maioria dos respondentes das entrevistas não estruturadas no Brasil indicou serviços de provisão prestados pelos solos e apontou a necessidade de engajamento dos jovens na comunicação do solo, corroborando os resultados das entrevistas semiestruturadas.
Para isso, foram realizadas oficinas artísticas com solos, e seus resultados foram apresentados como modelo experimental de ensino e divulgação. Além disso, foram elaboradas duas curtas-metragens documentais relatando os resultados de entrevistas não estruturadas e oficinas artísticas que podem ser utilizadas como ferramentas de coleta de dados, ferramentas de ensino e para fins de divulgação. Esta é uma nova abordagem de comunicação com as partes interessadas relevantes para promover uma gestão de recursos naturais como os solos, de forma mais sustentável.
As ações do projeto buscaram melhorar a comunicação entre diferentes atores no que tange a gestão dos recursos naturais e mais especificamente dos solos. Foi desenvolvido uma estratégia de comunicação de sete etapas para disseminar efetivamente as medidas de proteção do solo usando a abordagem dos SES. As sete etapas consistem em I) Identificar o problema que a estratégia deve abordar – problema na provisão dos SES; II) mapear as partes interessadas; III) mapear resultados relevantes e específicos para cada ator relacionado a perda dos SES; IV) entender a lógica de comunicação para cada grupo; V) abordagens de cima para baixo e de baixo para cima no design de mensagens, que inclui disciplinas como etnopedologia; VI) identificar o meio pelo qual a mensagem será transmitida de acordo com o perfil de cada público, seus hábitos e acesso a tecnologia e canais de comunicação; VII) revisitar todas as etapas da estratégia para entender motivos de falha de comunicação (se houver) e baseado nisso realizar adaptação. Por meio dessa abordagem, uma série de partes interessadas pode ser alcançada e mobilizada para incentivar a sustentabilidade do manejo do solo.
Estágio: encerrado.
Publicações relacionadas ao projeto:
LATAWIEC, A. E.; STRASSBURG, B. B. N.; JUNQUEIRA, A.; ARAUJO, E.; MORAES, L. F.; ALVES-PINTO, H.; CASTRO, A.; RANGEL, M. C.; MALAGUTI, G.; RODRIGUES, A.; BARIONI, L. G.; NOVOTNY, E. H.; CORNELISSEN, G.; MENDES, M. S.; DA SILVA BATISTA, N.; GUERRA, J. G.; ZONTA, E.; JAKOVAC, C.; HALE, S. Biochar amendment improves degraded pasturelands in Brazil: environmental and cost-benefit analysis. Scientific Reports, v. 9, n. 11993, p. 1-12, 2019.
https://www.nature.com/articles/s41598-019-47647-x
LATAWIEC, A. E.; PIANURA, M.; PENA, I.; MONTEIRO, L. M.; GOMES, F. Games and communication of Ecosystem Services to Non-Scientific Audiences. Modern Concepts & Developments in Agronomy, v. 4, n. 5, p. 476-477, 2019.
https://crimsonpublishers.com/mcda/pdf/MCDA.000598.pdf
RODRIGUES, A. F.; LATAWIEC, A. E.; TAMM, A.; PENA, I. B.; ANDRADE, J.; KORYS, K.; MENDES, M. S.; CARVALHO, Y. Political, social, and economic research of soil ecosystem services to support smallholders while restoring Brazilian Atlantic Forest. In: PINTO, Severino Ribeiro R.; SANTOS, Fabiane Carolyne; PRESCOTT, Cindy E. (org.). Forest Landscape Restoration and Social Opportunities in the Tropical World. 1. ed. Recife, PE: Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste – Cepan, 2020. p. 53-61.
Forest Landscape Restoration and Social Opportunities in the Tropical World (e-Book)
RODRIGUES, A. F.; LATAWIEC, A. E.; REID, B. J.; SOLÓRZANO, A.; SCHULER, A. E.; LACERDA, C.; FIDALGO, E. C. C.; SCARANO, F. R.; TUBENCHLAK, F.; PENA, I.; VICENTE-VICENTE, J. L.; KORYS, K. A.; COOPER, M.; FERNANDES, N. F.; PRADO, R. B.; MAIOLI, V.; TEIXEIRA, W. G. Systematic Review of Soil Ecosystem Services in tropical region. Royal Society Open Science, v. 8, n. 3, p. 1-10, 2021.
https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.201584
KEENOR, S. G.; RODRIGUES, A. F.; MAO, L.; LATAWIEC, A. E.; HARWOOD, A. R.; REID, B. J. Capturing a soil carbon economy. Royal Society Open Science, v. 8, n.4, p. 1-17, 2021.
https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.202305
MAIOLI, V.; MONTEIRO, L. M.; TUBENCHLAK, F.; PEPE, I. S.; CARVALHO, Y. B.; GOMES, F. D.; STRASSBURG, B. B.; LATAWIEC, A. E. Local perception in Forest Landscape Restoration Planning: A Case Study From the Brazilian Atlantic Forest. Frontiers in Ecology and Evolution, v. 9, p. 1-13, 2021.
https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fevo.2021.612789/full
KORYS, K. K.; LATAWIEC, A. E.; MENDES, M. S.; SANSEVERO, J. B. B.; RODRIGUES, A. F.; IRIBARREM, A. S.; DIB, V.; JAKOVAC, C. C.; ALLEK, A.; PENA, I. A. B.; LINO, E.; STRASSBURG, B. B. N. Early Response of Soil Properties under Different Restoration Strategies in Tropical Hotspot. Land, v. 10, n. 8, p. 1-14, 2021.
https://www.mdpi.com/2073-445X/10/8/768
LATAWIEC, A. E.; REID, B. J.; RODRIGUES, A. F.; PENA, I. A. B.; GOMES, F.; PACHECO, V.; STRASSBURG, B. B. N. More effort is needed to implement and disseminate soil protection measures for tropical soils. Environmental Research Letters, v. 15, n. 11, p. 1-5, 2021.
https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1748-9326/abc196/meta
LATAWIEC, A. E.; MARKOWICZ, M. E.; MEDEIROS, B.; MENDES, M. S.; RODRIGUES, A. F.; GOMES, F.; VALLE, B. D.; LISOWSKA, K.; DROSIK, A.; CAPECHE, C.; MAIOLI, V.; FEDOROWICZ, K.; AZEVEDO, L. Stepping on invisible land: on the importance of communicating the value of soils. Discover Sustainability. v. 3, n. 26, p. 1-16, 2022.
https://link.springer.com/article/10.1007/s43621-022-00093-8
LATAWIEC, A. E.; RODRIGUES, A. F.; KORYS, K. A.; MENDES, M.; RANGEL, M.; CASTRO, A.; TEIXEIRA, W.; VALENTIM, J. F.; ARAUJO, E.; MORAES, L. F. D.; PACHECO, V.; MENDES, M.; DELA PICCOLLA, C.; STRASSBURG, B. B. N.; KUBON, M.; DROSIK, A.; GOMES, F. D.; REID, B.; KRIEGER, J. M.; DIB, V.; ZMARŁY, D.; NETO, E. C. S. Biochar and Forage Peanut improves pastures: Evidence from a field experiment in Brazil. Agriculture, Ecosystem and Environment, v. 353, n. 108534, 2023.
https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0167880923001937?via%3Dihub
Vídeos:
1° workshop De Volta às Raizes: O valor que vem da terra, realizado em Março de 2019 na PUC-Rio: https://www.youtube.com/watch?v=DZbqRdJQp5Q&t=496s
On-farm biochar production and practical application in Brazil: https://www.youtube.com/watch?v=RZ9tWPE299M&t=79s
Educação ambiental em espaços formais – Jogo da Pescaria https://www.youtube.com/watch?v=l_X1hwPBvs4&t=223s
5º Workshop “Novas Fronteiras no Uso Sustentável do Solo”, realizado na Embrapa Agrobiologia, realizado em Agosto de 2022: https://www.youtube.com/watch?v=Yw1GDfCyTcg
Os solos e a sociedade (Soils and Society) – https://www.youtube.com/watch?v=Lv73TD3Oh1E&list=PLGrVpMdSjRoYp630NmoS8SZQ-T-Hn9OXA
Atividade artística com solos (Artistic Activity with Soils) – https://www.youtube.com/watch?v=REqNg9NaqpQ&list=PLGrVpMdSjRoYp630NmoS8SZQ-T-Hn9OXA&index=3
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