Restaurar 30% das áreas degradadas do planeta de forma otimizada pode salvar 71% de espécies da extinção e absorver quase a metade do carbono acumulado na atmosfera desde a Revolução Industrial
14/10/2020

Em todos os continentes, florestas, pastagens, estepes, pântanos e ecossistemas áridos foram substituídos por cultivos agrícolas. Segundo o estudo publicado no dia 14 de outubro por 27 pesquisadores de 12 países sob a liderança do coordenador do CSRio, Bernardo Strassburg, a restauração de alguns desses ecossistemas específicos ao seu estado natural salvaria a maioria das espécies terrestres de mamíferos, anfíbios e pássaros ameaçadas de extinção. Ao mesmo tempo, absorveria mais de 465 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. A restauração de 30 % das áreas prioritárias identificadas no estudo, além da conservação dos ecossistemas que atualmente se encontram em seu estado natural, absorveria uma quantidade equivalente a 49 % de todo o carbono acumulado em nossa atmosfera nos últimos dois séculos.

“Fomentar os planos de restauração de ecossistemas para seu estado natural é fundamental para evitar que as presentes crises climáticas e as ameaças à biodiversidade saiam do controle”, diz Strassburg, que é cientista da sustentabilidade e também professor no Departamento de Geografia e Meio Ambiente da PUC-Rio, sobre o artigo Global priority areas for ecosystem restoration, publicado na revista Nature. “As urgências mundiais relacionadas ao clima, à biodiversidade e às questões orçamentárias exigem soluções que possam lidar com todos esses aspectos, e nosso trabalho as oferece”.

Ao identificar, no mundo inteiro e de forma precisa, quais ecossistemas devem ser restaurados a fim de beneficiar a biodiversidade e o clima a um custo baixo e sem maiores impactos na produção agrícola, esse estudo é o primeiro a demonstrar evidências de abrangência mundial de que a localização é o fator mais importante para os esforços de restauração que almejem resultados profundos em prol das metas de biodiversidade, clima e segurança alimentar. De acordo com o estudo, a restauração pode ser treze vezes mais eficaz quando feita em locais de maior prioridade.

O estudo enfoca primeiramente os potenciais benefícios da restauração de ecossistemas tanto florestais como não florestais no mundo inteiro. “Pesquisas anteriores deram destaque às florestas e à reflorestação e quase não abordaram o papel da restauração de pastagens nativas e outros ecossistemas, cuja destruição seria extremamente  prejudicial para a biodiversidade e deve ser evitada. Nossa pesquisa mostra que, embora a reparação de florestas seja fundamental para mitigar o aquecimento global e proteger a biodiversidade, outros ecossistemas também desempenham um papel importante”, afirma Strassburg.

O novo relatório da Nature se baseia nos terríveis alertas da ONU de que estamos prestes a perder um milhão de espécies nas próximas décadas e que o mundo falhou em grande parte em seus esforços para atingir as metas mundiais de biodiversidade definidas em 2020, incluindo a meta de restaurar 15% dos ecossistemas do planeta. Os países estão dobrando seus esforços para evitar as extinções em massa na reta final para a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) que acontecerá em Kunming, China, em 2021. A expectativa é de que um tratado mundial de proteção à natureza seja assinado nesse encontro. Este novo relatório da Nature, que tem como coautor David Cooper,  secretário executivo da CBD, servirá de base para a discussão sobre a restauração e mostrará como a revitalização de ecossistemas ajuda a abordar diversos objetivos.

Através da ferramenta PLANGEA—uma plataforma sofisticada de otimização que aplica uma multiplicidade de critérios e oferece uma abordagem matemática para encontrar soluções precisas a uma variedade de problemas — e das tecnologias de mapeamento, os pesquisadores avaliaram 2,87 bilhões de hectares de ecossistemas convertidos em terras agrícolas no mundo inteiro: dessas áreas, 54 % era originalmente floresta, 25 %
pastagens, 14 % estepes, 4 % paisagens áridas e 2 % pântanos. Após isso, as áreas foram avaliadas com base em três fatores ou objetivos (habitats dos animais, sequestro de carbono e custo-benefício da restauração) para determinar que porcentagem — se 5, 15 ou 30 %— de restauração traria mais benefícios em termos de biodiversidade e absorção de carbono, com menores custos.

Os pesquisadores também identificaram uma solução que transcenderia as fronteiras nacionais, capaz de gerar múltiplos benefícios. Essa solução responderia por 91 % dos potenciais benefícios para a biodiversidade, 82 % dos benefícios de mitigação do clima e reduziria os custos em 27 % ao se concentrar em áreas com baixos custos de implementação e de oportunidade.

Ao projetar os benefícios de uma restauração à nível nacional—ou seja, que todos os países restaurem 15 % de suas florestas—os pesquisadores notaram uma redução de 28 % dos benefícios ligados à biodiversidade, 29 % dos benefícios climáticos e um aumento de 52 % nos custos.

“Esses resultados destacam a importância primordial da cooperação internacional para alcançar esses objetivos. Cada país desempenha um papel diferente e complementar no cumprimento das metas globais de biodiversidade e clima”, disse Strassburg.

O estudo descobriu que a restauração de diferentes ecossistemas gera benefícios diferentes e complementares. A restauração de florestas e pântanos, por exemplo, proporciona mais benefícios para o clima e a biodiversidade. Por outro lado, a reparação de pastagens e ecossistemas áridos é mais barata. Já a restauração de estepes na América do Sul e na África traz benefícios importantes para a sua tão particular biodiversidade. Em geral, a coordenação dos esforços de restauração em diferentes ecossistemas produzirá, ao todo, mais benefícios.

“A restauração de florestas gera benefícios extremamente importantes e comprovados, porém, nosso estudo mostra que restaurar uma variedade maior de ecossistemas pode beneficiar ainda mais a biodiversidade e contribuir mais para os objetivos climáticos”, afirma Strassburg.

Diante do receio de que a restauração de ecossistemas perturbaria a produção agrícola ao reduzir as áreas de cultivo de alimentos, os pesquisadores calcularam que porcentagem de ecossistemas poderia ser restaurada sem que o suprimento de alimentos fosse afetado. Descobriram que 55 %, ou 1,578 bilhões de hectares de ecossistemas transformados em áreas agrícolas poderiam ser restaurados sem interromper a produção de alimentos. Isso seria possível por meio de uma produção de alimentos sustentável e bem planejada, baseada em uma agricultura mais intensiva, na redução do desperdício de alimentos e na diminuição da produção de carne e queijo, que exigem grandes quantidades de terra e que, portanto, geram emissões excessivas de gases de efeito estufa.

“À medida que os governos voltam a se concentrar nas metas globais de clima e biodiversidade, nosso estudo fornece informações geográficas precisas e necessárias para fazer escolhas bem informadas sobre quais ecossistemas restaurar”, afirmou Robin Chazdon, uma das autoras do relatório.

A abordagem desenvolvida já está disponível para ajudar na implementação em escala nacional e local e tem atraído formuladores de políticas públicas, ONGs e representantes do setor privado interessados em um melhor custo-benefício para suas iniciativas de restauração. “Pretendemos colaborar para a restauração maciça de ecossistemas, alinhando interesses socioecológicos e financeiros, aumentando os impactos tanto para a natureza quanto para as pessoas, melhorando os retornos e reduzindo os riscos para os investidores”, diz Strassburg.

Em geral, o estudo fornece provas convincentes para os formuladores de políticas interessados em formas eficientes e acessíveis de atingir as metas de biodiversidade clima e desertificação. De acordo com a evidência, a restauração — quando bem coordenada e combinada com a proteção de ecossistemas intactos e um melhor uso das terras agrícolas — é uma solução incomparavelmente melhor, embora pouco utilizada até hoje.

“Nossos resultados oferecem evidências muito claras dos benefícios de um planejamento e uma implementação conjunta de soluções pertinentes ao clima e à biodiversidade, o que é particularmente oportuno devido aos encontros planejados para 2021 no marco das convenções da ONU sobre biodiversidade climática e degradação da terra”, declarou Strassburg.

“O estudo também demonstra uma aplicação crucial, mas até então inexplorada, da Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN”, observou Thomas Brooks, cientista-chefe da União Internacional para Conservação da Natureza e coautor do estudo. “Ele servirá de insumo para as discussões do próximo ano no Congresso Mundial de Conservação da IUCN e na 15ª Conferência das Partes da CDB sobre a implementação de compromissos políticos, incluindo o Desafio de Bonn, a Década de Restauração da ONU e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.”

“É necessário adotar uma nova perspectiva, em que a prioridade seja a obtenção de resultados em múltiplos níveis, para além das áreas de floresta e das metas baseadas em áreas do território nacional, e isso exige uma cooperação internacional mais intensa a fim de obter benefícios mundialmente relevantes advindos da restauração de valiosos ecossistemas—precisamos fomentar ações em prol de um planeta saudável”, diz Chazdon.

Resumo esquemático do estudo Áreas prioritárias globais para restauração de ecosistemas

Resumo esquemático do estudo Áreas prioritárias globais para restauração de ecossistemas publicado na revista Nature, liderado por Bernardo Strassburg