Matéria publicada originalmente por Cíntia Borges no site do Land Innovation Fund O que leva os produtores rurais de uma das regiões de maior produtividade agrícola do país a tomar decisões sobre o uso de suas terras? E quais fatores são determinantes na hora de escolher expandir a lavoura ou conservar voluntariamente uma área de vegetação nativa em uma propriedade privada? Intitulado “Ciências comportamentais aplicadas à cadeia da soja sustentável”, o projeto coordenado pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) e executado em parceria com o Centro de Ciências da Conservação e Sustentabilidade da PUC-Rio (CSRio), com o apoio do Land Innovation Fund, propõe-se a ouvir os produtores rurais da fronteira agrícola do Matopiba para entender quais critérios são utilizados para a adoção de boas práticas agrícolas no campo. A primeira etapa do projeto já foi cumprida: a pesquisadora Fernanda Gomes e o assistente de campo Wallas Calazans percorreram mais de 15 mil km em um 4×4 por áreas de bioma Cerrado dos quatro estados brasileiros – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, que formam o acrônimo Matopiba – para entrevistar 60 produtores da região. Os dados servirão de base para um estudo inédito de ciência comportamental para o mapeamento de incentivos financeiros e políticas públicas que dialoguem com anseios, necessidades e desafios dos produtores rurais da fronteira agrícola que mais avança sobre áreas de vegetação nativa no país. O resultado da análise será publicado ainda no primeiro semestre de 2023. Foram utilizados dados e mapas da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do projeto MAPBIOMAS e da Agrosatélite para o mapeamento inicial e identificação dos municípios prioritários para visita de campo entre os 337 que compõem a região, a partir de três critérios de corte: a) a área de excedente de reserva legal disponível por município; b) a taxa de conversão de cobertura natural para usos antrópicos nos últimos cinco anos; c) as características de solo e de clima que influenciam a aptidão para o cultivo da soja na região. O trabalho de campo foi realizado em três viagens, organizadas por regiões: na primeira, em setembro, os pesquisadores partiram de Barreiras, na Bahia, e chegaram à metade do Estado do Piauí, de onde retornaram para o oeste baiano. Na segunda, em outubro, Fernanda e Wallace visitaram o norte e a região central do Maranhão, onde conversaram com produtores de soja, além de pecuaristas e pequenos agricultores de culturas variadas, numa região com excedente de vegetação nativa e com alta aptidão para o cultivo da soja. E na terceira, entre novembro e dezembro de 2022, o foco foi o Tocantins, com idas pontuais à Bahia e ao Sul do Maranhão. Mas o planejamento inicial não foi suficiente para alcançar a meta de localizar e entrevistar 60 produtores rurais da região. “Tentamos fazer contato prévio com pessoas conhecidas ou indicadas por terceiros, mas não conseguíamos marcar as visitas com antecedência. Às vezes os compromissos com o plantio não permitiam, noutras o proprietário não estava na fazenda”, explica Fernanda. “Então mudamos a abordagem: mapeamos por satélite onde estavam as fazendas de soja, dentro do município-alvo do nosso trabalho, e começamos a bater na porta de cada um deles. A dificuldade foi encontrar o proprietário, que muitas vezes estava na cidade ou em outra propriedade. Mas quando encontrávamos, era raro alguém se recusar a falar conosco”, completa. DIÁRIO DE BORDO: Cruzando estradas vicinais em condições precárias e até pistas de motocross, os pesquisadores ultrapassaram fronteiras cartográficas e quebraram resistências individuais dos produtores rurais – dos mais ocupados aos mais desconfiados – para realizar as entrevistas. Ao longo do percurso, abordaram mais de 200 fazendeiros, para registrar em texto o resultado de longas conversas com 60 deles, e em áudio as impressões pessoais que tiveram depois de cada encontro e entrevista realizadas. Receberam inúmeros convites para um café com prosa ou para um almoço, além de valiosas dicas de viagem para ultrapassar estradas de terra batida que nem aparecem no mapa. E conheceram de perto a diversidade – e a realidade – do bioma Cerrado no Matopiba, cruzando veredas e chapadões, além de áreas de mata fechada, próximas à floresta Amazônica, e outras semiáridas, já na interseção com a caatinga. Com 91% de sua área coberta pelo bioma Cerrado, o Matopiba registra índices crescentes de conversão de vegetação nativa em áreas agrícolas, em especial para o cultivo de soja. De 2000 a 2019, a área dedicada à sojicultura no Matopiba cresceu 4,3 vezes, respondendo por 23% da produção do grão em todo o bioma Cerrado. Há ainda outros 10 Mha de vegetação nativa com alta aptidão para a agricultura sob risco de desmatamento na região. Estudos apontam para o risco de até 34% do Cerrado remanescente ser convertido em área agrícola até 2050, com destaque para a região do Matopiba. “Precisamos criar condições para conciliar a vocação agrícola do Matopiba com a conservação ambiental e a restauração de áreas degradadas. Sabemos que a ocupação de áreas de pastagens, por exemplo, é um dos caminhos possíveis para conter o crescimento do cultivo do grão sobre áreas de Cerrado, e que mecanismos financeiros podem estimular a ampliação de práticas sustentáveis no bioma. O projeto do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS) é fundamental para entendermos o perfil do proprietário rural e pensarmos em soluções de inovação em diálogo com as necessidades locais”, afirma Carlos E. Quintela, diretor do Land Innovation Fund. Para a abordagem com os produtores, Fernanda usou a trajetória pessoal como cartão de visita e motivação para a pesquisa: como muitos fazendeiros da região, Fernanda nasceu no Paraná, filha de gaúchos produtores de soja. Comunicóloga e designer de formação, com mestrado em ciência da sustentabilidade e uma graduação a caminho em ciências biológicas, a pesquisadora usou o histórico familiar e o interesse pessoal como passaporte para apresentar a pesquisa, e convencer os produtores a compartilhar impressões, expectativas e planos para o futuro. Os dados foram coletados em caráter privado, a partir de questionários unificados, e serão utilizados
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